Há alguns meses, reencontrei uma conhecida instrutora de meditação, também fundadora de uma escola de meditadores. Perguntei-lhe: “como vai aquela escola que você fundou?”. Ela me respondeu: “eu saí de lá; não agüentei mais a pose de meditador do pessoal”. Confesso que, a princípio, não entendi a que se referia minha conhecida, mas depois acabei associando essa expressão a algo que, de fato, também observo: a “pose de meditador”. O que é isso? Responderemos na coluna deste mês.
Já dissemos, nesta coluna, que técnica precisa + prática continuada são a receita para os efeitos da meditação. Praticando-se adequadamente, com regularidade, esses efeitos surgirão, em sequência e em velocidade que variam de indivíduo-a-indivíduo.
Todos os efeitos que surgirem, porém, serão apenas consequências naturais do exercício meditativo. Não devem ser “buscados”, mas sim “encontrados” ou, melhor ainda, “percebidos”. Na verdade, quando meditamos, pode parecer que nada acontece antes, ou nada acontece depois, ou nada acontece mesmo durante a meditação. Até que, em certo dia, não perceberemos que algo está acontecendo, mas sim que algo já aconteceu.
Veja que as duas formas acima citadas são percepções muito diferentes entre si. Perceber algo acontecendo é como estar em casa e ver sua esposa chegando com um novo vaso de cristal, que doravante ficará sobre a mesa da sala. Perceber que algo já aconteceu é como morar sozinho, estar em casa e, de repente, por alguma razão mal explicada, perceber que há um vaso sobre a mesa da sala; ninguém sabe como ele chegou até ali; ninguém sabe se ele esteve sempre ali, mas o fato é que ele agora está ali, sobre a mesa da sala, e ali agora permanecerá.
Assim como no segundo exemplo do vaso, acontecem as mudanças do meditador. Ele pratica, pratica, pratica e, em um belo dia, se percebe mudado sob algum aspecto. Por alguma via não entendida, algo de modificou nos seus pensamentos (mudança cognitiva); e algo se modificou no seu comportamento (mudança comportamental). Também curioso é o fato de que essa nova faceta cognitivo-comportamental, uma vez alcançada, costuma ser irreversível. Por exemplo, vamos imaginar que alguém que medita, a partir de certo momento não tem mais vontade de comer carne vermelha. Isso geralmente não tem mais volta. Ele pode continuar a ingerir carne, pode dizer a todos que ainda gosta de carne, pode continuar comprando carne todas as semanas, mas no fundo não gozará mais do mesmo paladar, não terá mais o mesmo prazer ao comer carne. Ele meditou e isso aconteceu; simplesmente, aconteceu…
Você, adulto, que agora lê esta coluna, pode um dia ter usado mamadeira. Mas hoje isso não tem mais nenhum sentido. Uma mamadeira não lhe dá mais prazer, como lhe dava quando criança. Você pode utilizá-la a qualquer momento, se quiser; você até conseguiria, só que não tem mais nenhuma necessidade; não lhe sobrevêm mais nenhum prazer; ela não lhe é mais necessária. Talvez você nem lembre mais quando foi que, exatamente, deixou de haver a vontade de tomar mamadeira, mas não tem dúvida de que não precisa mais dela. Uma postura cognitivo-comportamental passada, que foi “dissolvida” pela meditação, não tem mais como retroceder, da mesma forma que você não tem mais como voltar a tomar mamadeira. Isso não é mais possível. A não ser que você caia e bata a cabeça, não há quase nada que possa fazê-lo regressar à mamadeira.
Muito diferente disso é começar a meditar
e dizer: “agora que medito, não como mais carne”; ou “agora que medito, não tomo mais bebidas alcoólicas”; ou “agora que medito, não janto mais em restaurantes caros”. Assim não adianta, porque isso não é mudança; Isso é apenas “pose de meditador”. O sujeito começa a meditar e diz: “agora, nada mais vai me deixar nervoso, pois sou um meditador”. Aí, então, começam a lhe acontecer várias coisas irritantes, que dão vontade de “matar alguém”, e ele fica “se segurando” para não demonstrar qualquer irritação. Afinal “irritação é coisa de seres inferiores”, e ele é um meditador, e “um meditador nunca se irrita”.
O exemplo acima caracteriza o que chamamos de “pose de meditador”. Nada mudou no aprendiz. Ele está meditando e dá o melhor de si para isso; está fazendo o possível para seguir a técnica e manter a regularidade, mas isso não quer dizer que “algo já tenha acontecido”. Já vi muitas dezenas de aprendizes por aí fazendo “pose de meditador”. Apesar da vergonha, confesso que eu, mesmo, em meus primeiros anos, assumia esta tal “pose”. E nessa “pose” o principiante pode usar novas roupas, pode deixar de comer carne, pode parecer que não se irrita mais com nada, e assim por diante.
Acredite em mim: isso não adianta nada! Meditação não tem “acordos terapêuticos”, como ocorre em uma terapia comportamental, por exemplo. Quando se medita, as mudanças acontecem “do nada”, ou então não acontecem. Nada adianta “fazer pose”; se algo ainda não mudou, é porque ainda não é o seu tempo.
Desde que falei com aquela conhecida instrutora, me senti na obrigação de escrever sobre esse tema. Agora, cumpro meu dever, insurgindo-me contra a chamada “pose de meditador”.
Meditação é técnica. Meditação é prática regular. O resto, apenas consequência. Por isso, não procure “fazer pose”. Medite, persista, relaxe, confie, e as mudanças acabarão acontecendo.