Sem dúvida, a primeira semana de prática traz certas dificuldades ao meditador iniciante. Dentre elas, muitas vezes está o problema de adormecer sempre que se tenta meditar. Neste mês, falaremos sobre essa dificuldade.
Tenho visto, por anos seguidos ensinando técnicas de meditação, que quando alguém se queixa de que dorme ao tentar meditar, está presente pelo menos uma das três situações abaixo.
1) Associação de relaxamento ao sono
Desde pequenos, vivemos em um mundo agitado, onde quase nunca se relaxa. Para a maior parte das pessoas, só existirá algum tipo de redução da tensão à noite, no momento de dormir. Assim, é comum que vários associem “relaxar” a “dormir”, pois nunca conheceram outra forma de relaxamento, a não ser o sono.
Essas pessoas, quando meditam, experimentam, pela primeira vez, um estado relaxado que não é o sono. Porém, como associam imediatamente “relaxar” a “dormir”, elas se preparam para dormir e se entregam ao sono. Abandonam a “âncora”, esquecem o “relaxamento da lógica”, deixam a técnica de lado e, simplesmente, se permitem pegar no sono. Para elas, isso é algo automático: “relaxou, dormiu”. E mais: ainda gostam disso, pois entendem que a “…meditação me fez dormir mais depressa…”.
Todavia, costumamos dizer que meditar é, entre outras coisas, aprender a relaxar mantendo a plena consciência. É um relaxar – consciente – da mente (lógica) e do corpo. Compreendendo essa premissa, fica claro que dormir não é o nosso objetivo; ao contrário, devemos aprender a relaxar sem dormir, e não nos entregarmos ao sono. É preciso um esforço inicial, mas valerá a pena, pois só assim dominaremos a técnica meditativa, e a partir daí iremos dispor de um ótimo instrumento anti-stress, que nos acompanhará pela vida afora.
2) Horário inadequado
Muitos clientes me contam, depois de alguns dias, que tiveram grande dificuldade de meditar. Não conseguiam focar na âncora e, além disso, frequentemente acabavam pegando no sono.
Quando lhes peço detalhes de sua prática diária, eles me contam que chegam em casa, à noite, trocam de roupa, tomam banho, jantam, assistem TV, conversam com os familiares e, só então, depois de tudo isso, já bem tarde, vão tentar meditar. Ora, é claro que eles aumentam muito suas chances de dormir, tarde da noite, cansados e, principalmente, ainda sem prática suficiente para superar estes tipos de dificuldades.
Não gosto muito de recomendar horários específicos para meditação. Minha prática clínica me ensinou que, ao sugerir um horário, mesmo com a melhor das intenções, corremos um alto risco do aprendiz, ao não conseguir meditar naquele horário por estar ocupado, acabar desistindo da sua prática diária, e isso é bem pior do que meditar em horários diferentes, a cada dia. No entanto, quando, classicamente, se falam em horários mais adequados para a meditação, são sempre lembradas as primeiras horas da manhã (logo após o nascente) e os últimos momentos da tarde (durante o poente). Raríssimos grupos, na história, cultivaram o hábito de meditar tarde da noite, e não considero esse expediente como recomendável. Já cansado, com sono e com sua neuroquímica alterada, o indivíduo dificilmente deixará de adormecer.
3) Posicionamento incorreto
Há algo que sempre falo, que sempre escrevo, que sempre insisto em repetir: o iniciante não deve meditar deitado e nem apoiar a cabeça.
Por razões que dispensam apresentação, aquele com pouco treino vê muito aumentadas suas chances de cochilar ao tentar meditar dormindo, pois além de outras dificuldades (acima citadas), ele ainda é pouco exercitado no método, e a posição deitada é uma tentação imperiosa ao sono. Por isso, não se medita deitado, pelo menos nos 6 a 9 primeiros meses.
Outro detalhe é o apoiar da cabeça. O aprendiz poderá sentar, apoiar os braços, apoiar as costas, apoiar as plantas dos pés no chão, mas nunca deverá apoiar a cabeça. Esse detalhe, aparentemente pequeno, pode ser a diferença entre o sucesso e o insucesso, nas primeiras semanas.
Como vimos, quando se fala em dormir ao tentar meditar, alguns preceitos precisam ser compreendidos, e alguns detalhes podem fazer diferença. Contudo, vale a pena conhecê-los, pois ao se aprender meditação, se aprende uma técnica que propiciará um estado de relaxamento com tanta eficiência, que supera até mesmo o sono em queda do metabolismo. Há mais de 30 anos, os pesquisadores já conhecem o estado meditativo como um estado hipometabólico, ou seja, um estado que reduz significantemente o gasto de energia do nosso organismo. Para se tenha uma idéia, o grupo de Harvard já demonstrou que, entre meditadores muito experientes, decorridos 15 a 20 minutos de prática, ocorre uma queda de 10 a 17% do metabolismo. Em contrapartida, pessoas normais e saudáveis (não meditadoras), após 4 a 5 horas de sono, reduzem seu metabolismo em 7 a 8%. Por isso, não se deve “meditar para dormir”, pois sono e meditação são práticas bem distintas, em quase todos os aspectos estudados pela ciência.