Eventuais efeitos colaterais da meditação

Sempre dissemos que a meditação é um método promissor, muito útil, de baixo custo e praticamente isento de efeitos colaterais. No entanto, apesar de bem raros, existem alguns eventos indesejados que podemos encontrar em meditadores.

Alguns efeitos colaterais foram citados pela primeira vez por Benson, Beary & Carol, em texto de 1974 (Benson H, Beary JF, Carol MP. The Relaxation Response. Psychiatry 1974; 37:37-46). Naquela época, existiam apenas relatos esparsos, envolvendo distúrbios de sono e eventuais alucinações; porém, em todas as observações, nenhum dano foi notado entre aqueles que limitaram o número de práticas a um máximo de dois períodos diários de 20 a 30 minutos.

 

Revisando a literatura em 1979, West encontrou informações de casos dispersos de tentativa de suicídio, comportamento depressivo e surtos esquizofrênicos em indivíduos com perfil psicótico (West M. Meditation.

Brit J Psychiatr 1979;135:457-67). Porém todos esses casos derivaram de prática excessiva, com abuso de oportunidades diárias ou meditações por tempo demasiado.

Craven (Craven JL. Meditation and Psychotherapy. Can J Psychiatry 1989;34:648-653), estudando associações da meditação com a psicoterapia, identificou alguns sintomas como náuseas, tonturas, eventos dissociativos, sensação de culpa, comportamento psicótico, tendências suicidas e comportamento destrutivo. Contudo, o autor relevou que tais efeitos indesejados têm probabilidade bem maior de ocorrer em sessões nas quais se superestimam experiências que envolvam “expansões de consciência”, em detrimento de objetivos mais focais, como a auto-observação. Ou seja, parece haver algum perigo quando se prioriza a busca sôfrega por algum “fenômeno”, ao invés da pura e simples aplicação da técnica.

Kuijpers et al., a partir de um caso acabaram fazendo uma revisão sobre a eventual deflagração de surtos psicóticos em meditadores (Kuijpers HJH, Van-Der-Heijden FMMA, Tuinier S, Verhoeven WMA.

 

Meditation-Induced Psychosis. Psychopathology 2007;40:461-4). Os autores listaram dez estudos, que relatavam um total de dezenove casos, na maior parte compostos por episódios esquizofrênicos. Todavia, a maioria dos quadros representou apenas episódios agudos (desordem psicótica breve na classificação DSM IV). Além disso, e o mais importante, cerca de metade dos pacientes já apresentava relatos pregressos de história psiquiátrica, com comportamento psicótico. Nos demais, frequentemente verificou-se prática abusiva ou associação da meditação com práticas um tanto quanto perigosas, tais como privação de sono e jejum prolongado.

 

Em nossa, experiência clínica, são raras as ocasiões em que a meditação poderia fazer algum mal. Todavia, quando isso acontece, temos visto que cerca de dois terços dos casos ocorre em pessoas com perfil psicótico prévio, seja já diagnosticado e em tratamento, seja apenas suspeitado pelos profissionais de saúde que o acompanham. Nesses indivíduos (psicóticos), tenho visto que aproximadamente 80% deles costumam piorar quando medita. Por isso, tenho reiterado que “psicótico não medita”, a não ser em alguns casos já tratados, há pelos menos 2 anos sem crise e pelo menos um ano com medicação com dose estabilizada. Ainda assim, nesses últimos exemplos, se requer um orientador experiente.

Dissemos, acima, que dois terços das complicações vêm dos psicóticos. Mas e o restante? Quase sempre vêm de dois grupos: os “praticantes abusivos” e os “buscadores do fenômeno”.

Um exemplo de “praticante abusivo” seria o de um indivíduo que nunca meditou, aprende a meditar e, a partir daí, começa a praticar 4,5, 6 vezes ao dia, ou até mais. Sem falar que muitos desses (como mostrou acima o estudo de Kuijpers e colaboradores) ainda associam a meditação excessiva com jejum, privação de sono, uso de substâncias psicoativas, etc.

Os “buscadores de fenômeno” já compõem outro tipo de grupo. Aqui o indivíduo medita buscando sofregamente que “algo” aconteça.

Geralmente, nem mesmo ele sabe bem o que é que “tem” que acontecer, mas ele espera algo fenomenal, absolutamente fora do comum, e angustia-se a cada segundo a mais que o “fenômeno” demora a acontecer. Em outras situações, ele quer “programar” o acontecimento, por exemplo, quer meditar para “ver” Buda ou meditar para “conversar” frente a frente com Jesus, ou meditar para “conhecer” outras galáxias, e assim por diante. Esses “buscadores de fenômeno” não entendem que, o que quer que tenha que acontecer, acontecerá apenas com o exercício adequado e repetido da técnica. Será uma simples conseqüência da prática regular e sem expectativas.

Vejam, portanto, que meditar é seguro. São muito incomuns os efeitos colaterais. Com exceção dos psicóticos, eles só acontecem naqueles que querem forçosamente “conduzir” os efeitos, “gerar” as conseqüências da meditação, ao invés de apenas praticá-la tranquilamente. Meditação não é auto-hipnose. Meditação não é imaginação criativa. Ela é prática, sossegada, sem expectativas e sem violentar o processo. O fenômeno não precisa ser buscado, pois ela já é o próprio fenômeno, quando leva ao seu típico estado modificado de consciência. Na meditação, o imponderável já está presente, em si mesmo, e apenas ele levará a saltos quânticos de consciência, quando e como for oportuno. Basta, apenas, meditar, meditar, meditar… …e confiar.

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