Para muitos, estar meditando é estar se iluminando, se tornando cada vez mais consciente. De certa forma,  isto é uma verdade. Porém, adquirir consciência não é apenas “virar luz”, como num passe de mágica.  Antes disso, o meditador sempre terá um encontro com a sua sombra. Desse encontro, resultará  crescimento… ou um grande engano. Sobre isso, falaremos hoje. 

Em nosso texto anterior, tratamos sobre o ego. Falamos sobre o conceito oriental do ego, quando nos  confundimos com o que nossa mente diz que nós somos. No conceito ocidental, o ego é uma espécie de “eu  biográfico pensante”, e participa fundamentalmente da estrutura psíquica de um indivíduo. Ao contrário  do que muitos acham no ocidente, na visão oriental o “eu biográfico pensante” nunca deixará de existir,  quando alguém se funde à Plena Consciência; ocorrerá apenas que esse indivíduo não mais se confundirá  com ele. Esse novo humano, agora “desperto”, percebe que existe ainda outro nível de consciência, que  encampa a tudo, inclusive aquilo que ele pensava que era através de suas definições mentais (o ego). 

O que muitos meditadores não sabem – ou esquecem – é que existe também uma parte do nosso ser que  não nos agrada, e/ou que acreditamos que não agradaria aos outros. Essa parte é, então, “varrida para  baixo do tapete”, escondida, colocada fora da visão, como em um quarto escuro trancado, para que  ninguém veja, e idealmente nem nós mesmos consigamos vê-la. Essa parte pode ser chamada de “sombra”. 

É claro que esse conteúdo, escondido, submerso, é um tipo de energia; e essa energia às vezes se apresenta  sem que a consigamos conter, quase sempre quando fazemos algo que falamos que “não sei onde estava  com a cabeça”, ou do qual nos envergonhamos depois, ou nos envergonharíamos se nos pegassem em  plena ação. Nenhum tipo de energia pode simplesmente se extinguir. Assim como um rio, represado, ela às  vezes “transborda” e nos mostra nosso lado que consideramos “obscuro”. 

No fundo, a sombra é uma parte de nós, apenas não mostrada aos outros, e que nos esforçamos para não  trazer nem mesmo para nossa própria consciência. Ego e sombra seriam como os lados opostos de uma  mesma moeda, da qual vemos a cara (ego), mas não vemos a coroa (sombra). 

O interessante, a esse respeito, é que o caminho meditativo sempre (sempre!) nos colocará diante de nossa  própria sombra e/ou colocará nossa sombra bem diante de nós. 

Geralmente, após os primeiros meses de meditação, começamos a sentir coisas que “não deveríamos estar  sentindo” (ex: excitação) ou experimentar estados “que não combinam com meditação” (ex: a sensação de  uma presença malévola). Na verdade, embora não muito comuns, esses são eventos absolutamente  naturais quando se medita há algum tempo. Quando relaxamos a lógica, começamos pouco a pouco a nos  perceber de forma mais ampla, e aspectos antes “escondidos” começam a ser mostrados. Alguns outros  meditadores não tem essa experiência durante o ato meditativo, mas logo depois dele, o que alguns Gurus  chamam de “Mind’s Revenge” (vingança da mente). Isso também é natural. 

O que deve ser evitado, contudo, é fazer de conta que nada está acontecendo, o que é muito comum.  Diversos meditadores, quando se deparam com conteúdos “sombrios”, os desconhecem, tornam a “varrê-

los para debaixo do tapete”, e se convencem de que aquilo eram apenas “forças externas” que pretendiam  desequilibrá-lo, ou coisa parecida. Assim, acreditam permanecer em seu “puro caminho”, em seu “caminho  superior”, que seria “inabalável pelas forças do mal”. Porém, esse é um grande perigo, pois o mal em si, em  última instância, se chama inconsciência! Quando o meditador faz isso, e se considera “superior” a todos  esses conteúdos que aparecem, ele na verdade apenas estimula ainda mais o ego, e adquire o pior dos  orgulhos: o orgulho espiritual; o orgulho metafísico; o orgulho místico. Não há orgulho maior de que o  orgulho espiritual! 

Por isso Jung dizia que “uma pessoa não se torna iluminada ao imaginar figuras de luz, mas ao tomar  consciência da escuridão”. 

Na verdade, a libertação do ego também passa pela libertação da sombra, e a melhor forma de fazer isso  não é – mesmo – tentar desconhecê-la. Seria como querer se desidentificar de uma moeda acreditando que  basta se libertar apenas de uma de suas faces. Uma vez que a sombra é o outro lado da moeda do ego,  como ser liberto do ego sem ser liberto da sombra? Mas, aqui surge a pergunta: como? Qual o caminho  para ficar face a face com a própria sombra e sobreviver a isso? Bem, podemos mostrar alguns passos, que  vamos apresentar abaixo. 

A primeira coisa a fazer é entender o que aqui se explica. Temos uma sombra, ela é uma energia e, como  qualquer tipo de energia, não pode simplesmente se extinguir. Por isso, enquanto estiver “trancada nos  porões” de nossa mente, ela irá se manifestar, irrompendo às vezes de forma abrupta, e frequentemente nos  sabotando, prejudicando e envergonhando. Deixar de negar a própria sombra é o primeiro passo. 

Em segundo lugar, permitir que “a sombra venha para a luz”, evitando resistir quando seus conteúdos  vêm à tona, procurando não impedir que eles se manifestem. Apenas em nossa consciência, a sombra  poderá um dia ser “resolvida”. 

Como terceira etapa, antes e/ou depois de meditar, dizer a si mesmo que se aceita tal como é, que  reconhece todas as suas partes, tanto como suas, quanto como partes do Todo. Evitar se sentir diminuído  pelas experiências com os conteúdos sombrios. 

Por último, assim como se faz com todos os conteúdos – durante a meditação – buscar observá-los sem  julgamento, com a lógica relaxada. Perceber a presença desses conteúdos, que podem ser mentais e/ou  corporais, podendo ser pensamentos e ou sensações “ruins” ou “estranhas”, e não buscar julgá-los. Apenas  observar, e permanecer na âncora. O relaxamento da lógica consiste em não analisar, não julgar e não criar  expectativas. Isso se refere, inclusive, ao contato com a sombra. Você tem um pensamento “errado” durante  a meditação? Ele parece “desestabilizá-lo”? Observe-o, apenas, e volte para a âncora. Você sente uma “coisa  ruim” enquanto medita? Ela parece “atrapalhá-lo”? Observe-a, apenas, e volte para a âncora.  Naturalmente, nesse processo, a mente irá “blefar”, e fazer parecer que esses conteúdos precisam que se  faça algo urgente, mas você deverá – apenas – se manter na âncora. Veja bem, falamos aqui em ficar na  âncora, e não se sentir “superior” a isso tudo, afirmando a si mesmo que essas são apenas “energias  inferiores” que não podem lhe atingir. Essa postura envolve juízo de valor, e acaba com seu relaxamento da  lógica. Tampouco dizer a si mesmo que “não adianta, sou mesmo uma coisa ruim”, pois, da mesma forma, 

isso seria um julgamento. Estar fora da linha dos pensamentos nunca envolverá um juízo de valor, pois isso  é terreno da mente. 

Com isso tudo, não devemos nos sentir mal, ou desestimulados a meditar. A percepção eventual da própria  sombra é um grande presente que recebemos ao meditarmos regularmente. Devemos apenas ter cuidado  para não tentarmos combater a sombra, pois ela é formada originalmente de pensamentos, e combater  pensamentos é uma antítese do caminho meditativo. 

Medite, e tudo estará como tiver que estar. Na meditação, não se pulam etapas, não se força o progresso,  mas apenas se vivencia o que o próprio Eu nos envia no momento em que estamos prontos para isso. 

Tudo é Consciência, até mesmo aqueles aspectos distorcidos por nossa inconsciência que um dia  precisamos esconder. Tudo é parte do Todo. Tudo é UM.

by Roberto Cardoso

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