Quando falo sobre meditação, e especialmente quando falo sobre nossa definição operacional, algumas  vezes há quem afirme: “mas isso que você mostra é concentração, e não meditação; ou como dizem os  iogues, isso é Dharana, e não Dhyana”. Será? Bem, sobre isso falaremos hoje. 

É importante entender uma diferença básica entre os discursos: ao se falar sobre meditação, pode se falar  nela como um estado ou como uma técnica. 

Ao se considerar como um estado, esta será a última coisa que se poderá dizer sobre ela: “…meditação é  um estado…”. Depois disso, na mais restará para ser dito, pois como se trata de um estado além da linha  dos pensamentos, não há palavras que sejam capazes de descrevê-la. Embora isso pareça paradoxal ao se  ouvir, poderíamos dizer que o estado meditativo busca consciência fora da cognição e, por isso, não há  como se levar o iniciante até ele através de um caminho cognitivo. Em outras palavras: falar sobre o estado  meditativo não leva ninguém ao estado meditativo. 

Quando se fala sobre meditação como uma técnica, aí sim, muito se pode dizer sobre ela, diversos aspectos  podem ser descritos, muito pode ser ensinado, várias correções podem ser feitas na técnica de cada  aprendiz. 

Operacionalmente, existem algumas características importantes, que são comuns a todas as técnicas que  reconhecemos como meditação. As duas mais importantes se chamam “âncora” (ou foco) e “relaxamento  da lógica”. 

A âncora, ou artifício de auto focalização, consiste em um recurso que permite focar a atenção, e fazer isso  repetidamente, todas as vezes em que se começar a desviar a atenção do foco estabelecido. Mas, até aí,  estamos falando de concentração (Dharana). 

O que faz com que um procedimento mude de concentração para meditação? Um pequeno detalhe; a  “inserção de um chip operacional”, onde, além de manter o foco, ao mesmo tempo se mantém uma sutil  atenção ao eventual envolvimento do meditador em sequências de pensamento. Isso permite a evitar a  análise, o julgamento, a expectativa. A isso, denominamos “relaxamento da lógica”. 

Meditar consiste em manter a atenção em uma âncora com tanta intensidade que começam a existir  “pausas de pensamentos”, na verdade não porque a mente para, propriamente, mas porque o meditador  deixa de se envolver com eles. Por isso, juntamente com o foco na âncora, deve existir uma atenção sutil,  mínima, simultânea, ao eventual envolvimento em sequências de pensamento. No momento em que o  iniciante for abarcado pelo fluxo de pensamentos, ele deve, “gentilmente”, soltar, largar esses pensamentos,  e retornar toda sua atenção à âncora. E assim sucessivamente, por várias vezes, quantas forem necessárias,  pois nisso consiste o exercício meditativo. 

Toda técnica que reconhecemos como meditação tem uma âncora. Ela pode ser bem objetiva, tal como a  respiração, o fluxo de ar nas narinas, um ponto na parede, etc, ou subjetiva, como o “vácuo”, o “nada”, o 

“agora”, ou até mesmo um espaço do qual se observam os pensamentos. No entanto, sempre existe “um  lugar para o qual se deve voltar”, sempre que se percebe o envolvimento com alguma sequência de  pensamentos. 

Quando se confunde isso com concentração, se deixa de perceber 2 aspectos fundamentais, que fazem a  diferença entre os dois procedimentos. 

Primeiro, que ideações positivas também fazem sequências de pensamento. O praticante pode pensar,  “agora sim, estou no foco, perfeitamente concentrado” ou então “que perfeição, este estado lindo que eu  consegui atingir”, e assim por diante. Isso é aceitável quando se faz concentração, mas é uma  impropriedade técnica quando se medita. O meditador, solta, larga, deixa ir embora, quaisquer sequências  de pensamento com as quais se envolver. Alguns perguntam: mas isso não é muito difícil, e pode ser até  um exercício mais intenso ainda de lógica. A resposta é sim, mas na verdade é um exercício impossível.  Uma boa técnica de meditação precisa ser algo impossível para a mente, pois essa é a única forma de “dar  um drible” na mente e deixá-la por minutos, segundos, ou frações de segundo, fora do comando. É disso  que falo quando cito Ramana Maharish : “o ladrão não pode pegar o próprio ladrão”. Meditar é enganar o  ladrão e coloca-lo para correr atrás dele mesmo. Ele não se alcançará a si mesmo (impossível), mas irá se  cansar e desmaiar, saindo de cena parcialmente por um tempo. Um belo truque dos meditadores do  passado, hein?! 

Segundo, porque aqui se confunde a técnica com o estado. Achar que se pode sentar, imaginar um estado  “lindo”, “divino”, “incognoscível” e ficar nele é uma grande ilusão. O iniciante se engana, uma vez que a  mente não tem como produzir um estado “além mente”. Uma vivência incognoscível é, como o próprio  nome diz, não alcançável pela cognição, e por isso não está presente quando você estiver olhando para ela e  dizendo “que lindo”, “que sagrado”, “que sublime”. Isso é juízo de valor; é julgamento; é lógica. 

Quando alguns amigos iogues me falam que isso é Dharana eu os lembro das famosas etapas de Patanjali,  que descrevem classicamente o caminho do iogue. Podemos citar como exemplos: Asana, Pranayama,  Pratyahara, Dharana e Dhyana. 

Asana, consiste em uma posição corporal “exercitada” pelo iogue. Para isso existe uma técnica, que lhe é  ensinada, e praticada com dedicação e regularidade. Um dia, ao atingir a “perfeição” na postura por algum  tempo, o iogue poderá experienciar um estado decorrente daquele Asana. Experimentará um “barato”,  uma sensação absolutamente peculiar, que deriva da prática da posição levada repetidamente à quase  perfeição. Para fins didáticos, vamos chamar isso de estado de Asana. Assim sendo, podemos dizer que  existe a “técnica de Asana” e o “estado de Asana”. 

A prática respiratória, em diversas formas, consiste no Pranayama. Uma técnica é ensinada, e exercitada  com afinco e constância. A partir de um ponto, como consequência da técnica de respiração, o praticante  experimenta um estado, decorrente daquela técnica. Portanto, existe a técnica de Pranayama e o estado de  Pranayama. O aluno pode perguntar ao instrutor: “mas, quando eu exercitava o Asana, minha própria  respiração já se regularizava; minha percepção do corpo também consistia na percepção da minha  respiração; então, quando eu fazia o Asana, isso já não era também Pranayama?”. Ao que o instrutor 

responde: “de certa forma sim, mas eu não estava ainda falando sobre isso; antes era uma etapa apenas  focada em exercitar o Asana, embora todos os aspectos estejam ligados”. 

Pratyahara, a próxima etapa, consiste em exercitar a “retirada consciente da energia dos sentidos”, de certa  forma “redirecionando a energia dos sentidos, da periferia para o interior”, como que preparando o iogue  para aquilo que poderíamos chamar de “percepção não sensorial”. O exercício de Pratyahara, quando bem  conduzido e praticado, em um dado momento levará o praticante a conhecer um novo estado, que pode ser  chamado de “estado de Pratyahara”. Vejam então que existe a “técnica de Pratyahara” e o estado de  Pratyahara”. Novamente, o aluno pode perguntar ao instrutor: “mas, quando eu exercitava o Pranayama,  minha própria percepção dos sentidos externos já se abrandava; minha percepção da respiração também  consistia na introspecção, e numa espécie de percepção que não era mais sensorial; então, quando eu fazia o  Pranayama, isso já não era também Pratyahara?”. Ao que o instrutor responde: “de certa forma sim, mas  eu não estava ainda falando sobre isso; antes era uma etapa apenas focada em exercitar o Pranayama,  embora todos os aspectos estejam ligados”. 

Mais adiante, vem o exercício de Dharana, concentração, onde o aluno aprende a focar a atenção, conforme  orientado por seu instrutor. A partir dessa prática, regular e dedicada, haverá um momento em quo o  iogue vai experienciar uma nova condição, intensamente focada, que podemos denominar “estado de  Dharana”. Isso significa que, após praticar o exercício da “técnica de Dharana”, acabará se experimentado o  “estado de Dharana”. A mente está muito focada, muito alinhada com o alvo da concentração, e isso  produz um estado que antes não era conhecido pelo praticante. Mais uma vez o aluno pode perguntar ao  instrutor: “mas, quando eu exercitava o Pratyahara, minha mente já estava muito focada; a interiorização  da energia dos sentidos gerava, por si só, uma postura muito focada da minha mente; então, quando eu  fazia o Pratyahara, isso já não era também Dharana?”. Ao que o instrutor responde: “de certa forma sim,  mas eu não estava ainda falando sobre isso; antes era uma etapa apenas focada em exercitar o Pratyahara,  embora todos os aspectos estejam ligados”. 

Antes de passarmos à etapa seguinte, aqui vale um parêntese. Soa estranho falarmos em “auto percepção  não sensorial”, pois tudo o que percebemos parece estar ligado aos sentidos. Afinal, dizemos que estamos  percebendo alguma coisa quando a vemos, ouvimos, tocamos, etc. Porém, você pode estar caminhando na  rua e, de repente, se perceber pensando em alguma coisa (ex: numa pessoa ou numa conta à pagar). Isso  representa uma auto percepção que não é sensorial. Contudo, aqui ainda existe um exercício de lógica.  Quando percebemos que estamos pensando em alguém, geralmente analisamos a percepção; ao  percebermos que estamos pensando em um evento, quase sempre classificamos esse evento em bom, ruim,  agradável ou desagradável; e até mesmo quando nos percebemos em um estado, que decorre de uma  técnica, fazemos um julgamento do quanto estamos praticando a técnica adequadamente, e até do quanto  este estado é “bom”, ou “especial”, ou “sagrado”, etc. Podemos estar muito focados em um exercício de  concentração (Dharana), mas ainda assim julgarmos a técnica, analisarmos o exercício, aquilatarmos  debilmente o estado. Em tudo isso, ainda existe a participação da mente, a participação da lógica. Mas  como ir além? Como atingir a “auto percepção não sensorial sem a participação da lógica”? É aí que  chegamos na próxima etapa: a meditação.

Como etapa seguinte, vem a meditação, ou a técnica de Dhyana. O instrutor passa ao aprendiz uma técnica,  que é exercitada regularmente. Então, a partir da prática continuada, o aprendiz acabará experienciando  um “estado de Dhyana”, em outras palavras, o estado psicofísico resultante da técnica de meditação. A  mente estará em foco, porém agora com menor envolvimento nas sequências de pensamentos. É o  chamado “relaxamento da lógica”. De novo, o aluno pode perguntar ao instrutor: “mas, quando eu  exercitava Dharana, minha mente já estava tão focada que se reduziu muito o envolvimento nas sequências  de pensamentos; então, quando eu fazia Dharana, isso já não era também Dhyana?”. Ao que o instrutor  responde: “de certa forma sim, mas eu não estava ainda falando sobre isso; antes era uma etapa apenas  focada em exercitar Dharana, embora todos os aspectos estejam ligados”. 

Um engano fundamental é achar que todas as etapas têm uma técnica e um estado, porém que a meditação  é apenas um estado. Acreditar nisso é crer que é possível produzir com a mente, um estado além mente.  Como eu já disse acima, uma vivência incognoscível é, como o próprio nome diz, não alcançável pela  cognição. Por isso, achar que basta sentar e imaginar um estado “lindo”, “sagrado”, “especial” é se deixar  enganar pela mente. É como expliquei acima, tentar “usar o ladrão para pegar o próprio ladrão”. 

Com isso, não pretendo dizer que o sagrado não existe, mas sim que o sagrado existe (ou pode ser  percebido) apenas fora da esfera mental, além da cognição. Como disse Joseph Campbel “o conceito de  Deus é apenas uma metáfora, criada para se referir a algo que transcende completamente o pensamento  humano”. Mas como transcender o pensamento? Ora, aprendendo a relaxar a lógica, e a partir daí  percebendo um estado de consciência além mente. 

Escrevi este texto porque, por muitos anos, pude observar diversos praticantes tentando meditar apenas  buscando um estado, como se a mente pudesse – ela própria – nos levar a um estado além mente. Na  verdade, um praticante deve buscar a técnica, pois será ela quem propiciará o estado. Existe uma técnica de  Dhyana (meditação) e um estado de Dhyana (estado meditativo). 

Nesse terreno em que conversamos, só existe uma coisa pior do que não saber meditar: pensar que está  meditando, sem estar; e assim perpetuar um engano por anos e anos. 

by Roberto Cardoso

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