Na meditação, será que existe alguma diferença entre o impossível e o impensável? Sobre isto, falaremos hoje.
Para começar, precisamos entender para que serviu a mente humana durante as centenas de milhares de anos em que estamos aqui. Nosso antepassado humano já tinha uma mente privilegiada comparada as outras espécies. Ele podia recordar-se das experiências anteriores e antever eventuais oportunidades de repetição.
Vamos entender melhor. Se um humano fosse atacado por algum animal, à beira de algum lago enquanto estivesse bebendo água, ele iria reter esse evento na forma que conhecemos como “memória emocional”. Em qualquer outra espécie animal, essa memória emocional iria durar algumas semanas, ou meses, e se restringiria a estar em um mais intenso estado de alerta quando fosse beber água novamente naquele lago. Mas, no homem, essa memória emocional iria durar anos, talvez o resto da vida, e poderia se ampliar para outras situações onde ele estivesse bebendo água, e até se expandiria para qualquer outra situação onde pudesse estar distraído, seja comendo, seja dormindo, etc.
Os atributos acima, próprios da mente humana, mostram duas funções que foram as mais importantes por muitos milhares de anos: reconhecer padrões e rastrear perigos. Em outras palavras, a partir da memória emocional acumulada nossa mente é capaz de reconhecer situações semelhantes e assim de prever eventuais situações onde o perigo pode se repetir futuramente.
Se prestarmos ainda mais atenção, poderíamos dizer que a mente age em função do tempo, uma vez que ela busca padrões no passado (em experiências próprias ou coletivas) e as lança em um futuro imaginado (em busca do perigo). Se é algo ruim, rastreia o perigo daquilo acontecer; se é algo bom, anseia que aconteça logo, pois imagina os perigos que podem fazer com que aquilo de bom não aconteça.
As situações onde a mente parece ajudar ou atrapalhar estão basicamente centradas nessas duas funções: reconhecer padrões e rastrear perigos. O que fazemos quando planejamos nossa semana? O que fazemos quando imaginamos que algo pode dar errado? O que fazemos quando queremos que algo aconteça depressa? O que fazemos quando nos aborrecemos com freqüência com alguma coisa? O que fazemos quando projetamos nossos medos em outras pessoas? Reconhecemos padrões e rastreamos perigos. Não quero, com isso, “simplificar a mente”, pois ela é por natureza “insimplificável”.
Uma outra forma de enxergar isso é notar que vivemos em função do tempo. Lançamos mão de registros (passados) – sejam conscientes ou inconscientes – e fazemos projeções (futuras) – sejam conscientes ou inconscientes. Assim como o pêndulo de um relógio antigo, a mente oscila sem descanso entre o passado e o futuro, às vezes trazendo prazeres (fugazes), às vezes trazendo sofrimento.
Quando fazemos qualquer idéia a respeito de nós mesmos, estamos usando essa mesma mente, que irá apenas buscar definições no passado, individual ou coletivo, consciente ou inconsciente. A assim chamada “lógica” não passa de um exercício de passado-futuro, nunca no absoluto Agora.
Diante disso, encontrar o “ponto central do pêndulo”, a mínima fração de silêncio entre dois pensamentos, o que existe fora do tempo, seria encontrar nossa essência.
Assim, fica um pouco mais fácil entender algumas frases, tais como:
É preciso lentes que ultrapassem o aparente. (Luiz Coronel)
“O problema é você. A solução é você” (Swami Dayananda)
A vida não dá ouvidos à nossa lógica; ela segue à sua própria moda, imperturbável. Você tem de “ouvir” a vida; a vida não ouvirá a sua lógica (Osho)
Qualquer ideia sobre você mesmo, nasce em você, e desaparecerá de volta em você. (Gangaji)
“…[Primeiro eu] olho pra mim erradamente […] então tento resolver um problema que não existe..” (Swami Dayananda)
Sua mente é um sonho em que mil pessoas conversam ao mesmo tempo, e ninguém entende o outro. (princípio tolteca)
“O Silêncio é o núcleo. O Silêncio é a Vida que dá vida à forma.” (Gangaji)
“Não há nada que você precisa fazer para ser o que é, mas tem algo que você precisa reconhecer para deixar de ser o que você não é.” (Mooji)
Só aquilo que realmente somos tem o poder de nos curar (Carl Jung)
Então, veja que todos nossos conceitos são baseados nesse mecanismo mental de passado-futuro, até mesmo nosso próprio conceito de “eu biográfico pensante”, nosso conceito de ego. Segundo as tradições orientais, o ego é aquele “ser” que achamos que somos, ao nos confundirmos com a nossa mente.
Mas, se o ego é um produto da mente, como podemos nos livrar dele usando a mente? Difícil essa charada, não?!
Uma coisa é certa, não poderia ser através da mente, pois extinguir uma criação mental seria – com a mente – como extinguir a própria mente, ou seja, seria como pedir ajuda a um super-computador para destruir ele mesmo. Ele não nos ajudará… Como disse Ramana Maharshi, “…é como pedir ajuda ao ladrão para pegar o próprio ladrão…”.
Se perguntarmos a mente como dissolver o ego, a resposta sempre será: impossível! De fato, qualquer tentativa de ação mental iria ajudar a inflar ainda mais o ego, tal como usar gasolina para apagar o fogo. Expressões como “destruir” o ego, “controlar” o ego, ou “matar” o ego, ou “dominar” o ego, refletem intenções e atributos eminentemente mentais. É necessário um intenso uso da lógica para planejar qualquer tipo de controle, domínio ou mesmo destruição. Como fazer, então?
Para ajudar, vamos começar imaginando que a mente projeta um “filme de pensamentos” em uma tela a nossa frente, e que chamamos esse filme de “realidade”. Estamos completamente ligados a esse filme, na firme crença de que nossa identidade estará lá. Então, queremos por um fim nisso, e começamos a lutar contra o filme, tentando “destruir”, “controlar”, “dominar” o filme. Como isso seria possível? Como lutar contra algo que não está verdadeiramente ali?
É neste ponto que muitos dizem: impossível! Afinal, por mais que pensemos nunca conseguiríamos encontrar uma forma de combater algo que é ilusório. Seria o mesmo que lutar contra um filme holográfico, contra algo que não está realmente ali. Mas talvez não devêssemos dizer “impossível”, mas sim “impensável”, pois embora a mente não encontre uma saída, existe uma saída… fora dela!
A maneira de libertar-se do “filme” não seria lutar conta ele, pois isso só iria gerar ainda mais ansiedade e ilusão. A única maneira de libertar-se do filme é perceber claramente que ele é apenas um filme. Uma vez que se percebe que se trata apenas de uma projeção, uma falsa realidade, ela deixa imediatamente de nos fazer mal. Simples, rápido, direto e totalmente eficiente. Da mesma forma, dissolver o ego não implica em luta; ao contrário, seria sinônimo de percebê-lo como ele verdadeiramente é, e então ele se dissolveria automaticamente.
Como? Para isso, precisamos recorrer à esfera que alguns chamam de não-pensamento, ou de terreno “supra-mental”. Na esfera do não-pensamento, relaxa-se a lógica, e encontra-se o que está além dela. Sim, existe vida fora da lógica. Pesquisadores como Arne Dietrich dizem não entender como é possível que, em algumas técnicas meditativas, os indivíduos fiquem como que “descorticados”, ou seja, como se não tivessem a parte “pensante” do cérebro, e até propõem que esses estados são ilusórios. Mas o que eles não sabem é que um meditador pode ter o mapeamento cerebral francamente alterado, mas se for chamado pelo seu nome pode responder tranquilamente, mostrando que está absolutamente consciente, lúcido, embora incrivelmente relaxado.
Todos os indivíduos ditos “iluminados” falam sobre um estado que está além da compreensão humana comum. Falam sobre um estado “além-mente”. Não importa o nome, seja “samadhi”, “nirvana”, “fana” ou “reino dos céus”. No entanto, lembram que, apesar de não ser um estado “comum”, está ao alcance de todos, e que seria um estado natural, na verdade o mais natural de todos. O que Mooji chama de “estado sem esforço”. O que Eckhart Tolle chama de “estado de absoluto Agora”.
Esse estado, natural, não seria “impossível” de atingir, mas seria “impensável”, por estar além do terreno da lógica. Eis a diferença entre o “impossível” e o “impensável”. O impossível, a priori, é algo que não pode acontecer. O impensável é algo que pode acontecer, mas nunca através do nosso pensamento, da nossa lógica, do nosso esforço mental, da nossa imaginação.
Como diz Sri Nisargadatta Maharaj:
Ninguém sofre em um filme, somente a pessoa identifica-se com ele. […] Enquanto ele dura, o sonho tem um ser temporal. É seu desejo de mantê-lo, que cria o problema.
Deixe ir. Pare de imaginar que o sonho é seu. Deixe o filme desenrolar-se até o verdadeiro fim.
Você não pode ajudá-lo. Mas você pode reconhecer que o sonho é um sonho, e não carimbá-lo com o selo de realidade.
Aí está uma boa promessa de Ano Novo. Não confundir o sonho com a realidade. Não confundir o “impossível” com o “impensável”.
Um 2012 de Paz, Equilíbrio e Saúde!