Um dos aspectos que considero mais interessantes dentro da prática médica diz respeito ao que chamamos de efeito placebo. O que é isso e o que isso teria a ver com meditação? Vamos explicar aqui.
Ainda me lembro da minha época de estudante de Medicina em que eu, ávido por experiências médicas “reais”, freqüentava plantões de emergência médica para ver de perto a ação dos profissionais de saúde. Era uma espécie de excitação pela urgência, junto com a inquietude de aprender todos os macetes “práticos” que pudesse conseguir. Acho que tinha a ilusão de que aquilo me tornaria médico mais rápido, ou melhor, do que meus colegas. Nessa sôfrega busca por experiências práticas, eu convivia com alguns médicos mais calmos, mais ciosos de seus deveres, mais vocacionados… que eu achava um pouco chatos e sem graça. Outros eram mais impulsivos, mais “corajosos”, mais “práticos”… e a esses eu – simploriamente – admirava.
Certo dia, em um desses plantões, na pausa para um lanche, um desses médicos que eu admirava relatou um caso em que deu uma pílula de vitamina a um paciente que se queixava de dor, e a queixa desapareceu, a dor simplesmente sumiu. Todos riram muito, admirando-se da “burrice” daquele paciente, que havia “caído direitinho” na história do remédio falso.
Ainda pensativo, no dia seguinte perguntei a um dos meus professores o que explicava aquele fato. Ele, então, também rindo, me explicou que aquela pílula de vitamina havia funcionado como um placebo. Segundo ele, o efeito placebo representaria o funcionamento de uma medida terapêutica graças à crença do paciente.
E assim segui minha formação médica, vendo o efeito placebo como uma forma de enganar alguns pacientes chatos e crédulos, cujas queixas pareciam duvidosas ou exageradas.
Hoje percebo como eu me deixei enganar, e fui incapaz de compreender um dos mais importantes fatores de cura. Vários estudos, dentre eles os do admirável professor Herbert Benson, em Harvard, mostraram a importância desse efeito. Hoje compreendo que, quando um médico, ao tratar um paciente, consegue ativar o fator placebo, ele está acionando o mais importante elemento de cura do ser humano: ele próprio. Agora acredito que, quando alguém participa ativamente do seu próprio processo de cura, essa pessoa sai da doença como alguém melhor, e com menor probabilidade de recorrência. Alguns homeopatas dizem que não existem doenças; existem doentes. Olhando sob esse prisma, acionar o efeito placebo é transformar um doente em um curador de si mesmo, despertando um dos mais importantes processos de transformação humana.
Como mostraram alguns estudos, a crença que o paciente tem em seu cuidador é fundamental para o sucesso do tratamento. Um médico que simplesmente rabisca uma receita e a entrega sem sequer olhar para o doente certamente irá curar menos do que aquele outro que o ouviu com atenção, afirmou que seu caso tem cura, conquistou sua confiança e lhe entregou a mesma receita, porém com um bônus: o doente agora acredita no tratamento. A partir daí, o efeito placebo passa a contribuir com a terapêutica. Ao que parece, em cerca de 30% dos casos o efeito placebo é fundamental, ou seja, sem ele não haverá cura. Em 40% das vezes, ele irá acelerar bastante a cura. Aparentemente, somente algo em torno de 30% das situações médicas é indiferente ao efeito placebo, como por exemplo quando se administra um anestésico geral e sabe-se que o indivíduo vai dormir, independentemente de acreditar ou não na eficácia daquele anestésico.
Sinceramente, fico impressionado com o fato de muitas pessoas acreditarem que nossa mente pode nos causar mal… mas não pode nos causar bem. Todos entendem quando dizemos que “isso vai lhe dar uma úlcera”, ou “aquilo vai acabar lhe infartando”. Ao contrário, poucos acreditam quando dizemos que: uma forma adequada de pensar e de se relacionar com o médico e com o tratamento vai melhorar seu processo de cura. Isso é incrível, não é mesmo? Até parece que nossa mente foi feita apenas para nos prejudicar!
O que isso tem a ver com meditação? Tudo. Não porque a meditação é um placebo, mas porque e meditação evita que nós atrapalhemos a ação do efeito placebo. A nossa mente ancestral foi feita para antever perigos e danos. Nossa espécie se sobressaiu tanto porque o homem primitivo era capaz de prever o ataque do predador, ou o incêndio que poderia fulminá-lo. Em outras palavras, a capacidade humana em pensar no ruim foi decisiva para seu crescimento, mas imprimiu em nossos cérebros essa maior tendência de pensar no que pode porvir de mal. Para contornar isso, podemos usar alguns processos, como a terapia cognitiva por exemplo. Outro bom recurso é a meditação.
Ao meditar, reduzimos a atividade frenética de nossas mentes, diminuímos os caminhos viciosos que os pensamentos seguem em nossos cérebros, e abrimos novas vias para nossos pensamentos. Com isso, simplesmente reduzimos a ação da nossa mente, e deixamos que nosso Ser interno ative naturalmente o efeito placebo, a ação curadora que sempre esteve disponível dentro de nós.
Certa vez, um discípulo perguntou a um Guru o que ele ganharia com a meditação, e o Guru respondeu: você não ganhará tanto, mas certamente irá perder muito. Perderá muito dos seus pensamentos viciosos, perderá muito das suas atividades mentais desnecessárias, perderá muito dos seus padrões que lhe fazem sofrer. Olhando por esse ângulo, poderíamos dizer que, em longo prazo, meditar é perder mais do que ganhar, e uma das coisas que perdemos são os empecilhos à ação do efeito placebo.
Hoje, sou bem diferente daquele estudante que perseguia avidamente a doença. Agora, busco perseguir serenamente o caminho da saúde para todos, da prevenção da doença, da ativação da autocura. Dentre esses objetivos, está o disseminar o novo conceito do que é placebo. Não mais uma divertida “enganação”, mas sim um dos mais importantes processos de regeneração e equilíbrio.
Meditar não apenas reduz o stress, melhora a atenção e incrementa o raciocínio. Meditar também ajuda a não atrapalhar os ancestrais processos de reequilíbrio, que nos foram presenteados desde sempre, mas que poucos conseguem parar para compreender.