“Meditar é estar no presente”. Eis uma frase frequentemente ouvida. No entanto, cria-se aqui um frequente equívoco. Sobre este mal-entendido iremos conversar este mês.
Desde sempre, a prática da meditação é associada com a prática de estar no “agora”, e isso tem um completo sentido. Geralmente, sempre estamos recorrendo a memórias (ou seja, no passado), ou então fazendo planos e criando expectativas (ou seja, no futuro). Raramente alguém está completamente no agora.
Como diziam os antigos budistas, nossa mente se comporta como um macaquinho, que fica pulando de galho em galho, sem sossegar. E assim como o macaquinho fica à mercê de sua agitação, também ficamos à mercê de pensamentos incessantes, com a mente “solta como um papel na ventania”. Estamos sempre julgando, analisando e recordando (no passado); ou então planejando, projetando, esperando (no futuro). Mesmo quando mostramos uma ação que parece reagir ao presente (a um estímulo), na verdade estamos ativando as mesmas reações – os mesmos circuitos neuronais – de sempre. Esses circuitos neuronais seriam como “trilhos de trem” no nosso cérebro (formados por uma sequência de neurônios pré-estabelecida) nos quais “caminham” nossos pensamentos e nossas reações, sempre na mesma rota, sempre do mesmo jeito, sempre da forma já estabelecida no passado. E, apesar do estímulo existir no presente, essa reação não vem do presente, mas sim de “caminhos neuronais” do passado.
Alguns estudos já demonstraram, por exemplo, que após anos de terapia novos circuitos neuronais se formam, provavelmente refletindo uma nova opção de pensamento advinda do processo terapêutico. São leituras muito interessantes, para as quais recomendo os links abaixo:
[url=http://www.drbeitman.com/Papers/Change%20Part%20I.pdf]http://www.drbeitman.com/Papers/Change%20Part%20I.pdf[/url] [url=http://www.drbeitman.com/Papers/Change%20Part%20II.pdf]http://www.drbeitman.com/Papers/Change%20Part%20II.pdf[/url] [url=http://www.nytimes.com/books/97/06/22/reviews/970622.22restakt.html]http://www.nytimes.com/books/97/06/22/reviews/970622.22restakt.html[/url]
Pois então, como se vê, um processo terapêutico pretende “tirar-nos do passado”, ou seja, libertar-nos dos circuitos pré-determinados de leitura e reação em diferentes situações; libertar-nos da nossa “mente de robô”. Um autêntico processo de cura, no qual se substitui uma coisa que está doente (a “mente de robô”) por outra coisa que será sadia (uma mente humana, capaz de desenvolver seu verdadeiro potencial).
Da mesma forma, a meditação também pode gerar esse tipo de processo de cura. Contudo, na meditação, esse processo é gerado de forma bem diferente, quando acontece o que eu chamaria de “surtos de cura”, após períodos de semanas ou meses de aparente calmaria. Todo meditador bem sabe que é assim que funciona a meditação. Ficamos meditando por semanas, ou por meses, e parece que pouco ou nada acontece. Depois, num belo dia, sem que estejamos esperando, ”algo acontece”; “algo muda”.
Uma das mais interessantes publicações, acerca do efeito da meditação sobre nossos neurônios, foi feita por Antoine Lutz, da Universidade de Wisconsin. Quando ele relata o efeito chamado de gama-sincronicidade de alta amplitude. Esse tipo de funcionamento no cérebro é geralmente encontrado em raras situações, que nos marcam tão intensamente, mas tão intensamente, que delas se originam mudanças cognitvas e comportamentais; ou seja, um padrão cerebral que leva a mudança.
Uma “explosão de transformação”. E ela também acontece em alguns meditadores antigos. Essa parece ser uma das explicações para as mudanças cognitivo-comportamentais que se vêm nos meditadores a médio e longo prazo. Veja seu artigo no link abaixo:
http://psyphz.psych.wisc.edu/web/pubs/2004/meditators_synchrony.pdf
Vale ressaltar, porém que esse tipo de estado cerebral só é alcançado com uma adequada prática meditativa. É resultado da chamada “malhação neuronal” que praticam os meditadores. Quando se medita tanto, e de forma tão apropriada, se atinge aquilo que eu chamaria de “um momento de completo presente”, quando principiam as mudanças. E é exatamente aí que começa a grande confusão…
Muito se fala que “meditar é estar no agora”. De fato, essa é
uma grande verdade, mas que é muito confundida com o “pensar o agora”. Quando se fala que se pode meditar enquanto se está lavando louça, arrumando a cama ou até fumando um cigarro, em minha opinião se provoca um conflito enorme na cabeça do aprendiz. E ele começa a pensar, a usar a lógica, para “se sentir meditando” enquanto realiza seus afazeres. Assim ele não “relaxa a lógica”, o que é um requisito fundamental em uma técnica de meditação (ver texto, nesta coluna, sobre “relaxamento da lógica”).
O que acontece, de fato, é que à medida que vamos praticando meditação, vamos levando o estado meditativo cada vez mais para a nossa vida fora do momento em que meditamos. Em outras palavras, vamos pouco-a-pouco adquirindo um “comportamento meditativo”. Vamos ficando mais presentes, cada vez mais no “aqui e agora”. Mas isso é uma conseqüência da prática meditativa, e não uma parte do exercício de meditação. Para meditar, e usufruir os conhecidos efeitos – volto a lembrar – é preciso “relaxar a lógica”; e esse relaxamento não é possível quando se pensa “…que lindo, que belo, estou meditando agora enquanto lavo esta louça…”. Isto é julgamento! Isto é lógica! Isto é usar conceito vindo do passado! Isto é ter expectativa em relação ao futuro! Quem quiser trabalhar em cima do passado, analisando seu passado, alterando conscientemente seus conceitos e resignificando fatos, deve buscar um bom terapeuta. Quem quiser fazer isso sem análise, sem julgamento e sem lógica, deve buscar a meditação. Quem quiser adotar os dois processos, simultaneamente, também pode. Mas não se deve confundir um processo com outro, pois são atividades bem diferentes entre si. Terapeutas não “relaxam a lógica” dos seus clientes com palavras… …e instrutores de meditação não são necessariamente terapeutas.
Meditar é estar no agora. Mas o verdadeiro agora só existe no “dissolver” da temporalidade. Os praticantes da meditação bem sabem que ela é uma experiência que altera a percepção temporal e espacial. E são essas alterações que, quando continuadas, nos trarão cada vez mais ao verdadeiro presente ou, como diziam alguns antigos mestres, nos trarão para a “Paz do Eterno Agora”.
Até o próximo mês.