Muito se fala sobre o estado que decorre da meditação. Aliás, esta é a maior de todas as confusões quando  se conversa sobre esse assunto: confundir a técnica com o efeito. Sempre que nos encontramos antes, aqui  nesta coluna, falei sobre os aspectos operacionais da meditação. Hoje, pela primeira vez, falaremos sobre o  estado alterado de consciência que decorre do processo meditativo. 

Ao se meditar, seguindo os preceitos operacionais adequados, instala-se um quadro de modificações  corporais já bem descritas pela literatura médica. Diminui-se a freqüência cardíaca; reduz-se a frequência  respiratória; relaxa-se a musculatura; diminui-se o metabolismo corpóreo (cai o gasto de energia do nosso  corpo); alteram-se as ondas cerebrais; altera-se o funcionamento de algumas regiões do cérebro; e assim por  diante. 

Contudo, as alterações que citamos acima falam apenas sobre os aspectos físicos da meditação, e não sobre  os aspectos emocionais. O meditador, durante sua prática, costuma experimentar uma sensação de grande  relaxamento e, frequentemente, bem-estar, com uma notória redução do chamado “estado de alarme” (do  stress). 

Porém, tudo isso deriva de um ponto básico da meditação: o estado alterado de consciência que se instala  durante a prática. Mas, que estado é esse? É um estado de concentração extrema? Um estado de  “iluminação”? Um estado de não pensar em nada? Vamos tentar, aqui, desfazer esse grande “nó didático”. 

Para entendermos tal estado, precisamos começar relembrando os conceitos de “âncora” e de “relaxamento  da lógica”, sobre os quais já falamos antes (vide textos anteriores, nesta coluna). O praticante deve fixar-se  no foco pré-estabelecido (manter a “âncora”) e, ao mesmo tempo, manter sutil atenção às eventuais  seqüências de pensamentos que forem surgindo. Sempre que se perceber envolvido em uma dessas  seqüências, ele “abandonará” tais pensamentos e voltará para a âncora, até que assim consiga permanecer  na maior parte do tempo: fixo na âncora e com mínimo envolvimento nas seqüências de pensamento  (“relaxamento da lógica”). 

Assim permanecendo, o meditador alcança o chamado “estado alterado de consciência” que caracteriza a  meditação. Como já indicado por pesquisas médicas, tal estado é bem diferente daquele estabelecido  durante o sono, ou induzido por drogas, ou pela hipnose, etc. Trata-se de um estado específico, que se  caracteriza pelas alterações psicofísicas que descrevemos no início deste texto. 

Alguns perguntam: mas isso que está sendo aqui descrito não seria concentração, e não meditação? Como  dizem os iogues, não seria dharana, e não dhyana? Não, mesmo. Há, de fato, uma diferença entre  concentração e meditação. Isso é bem explicado no artigo que aqui reproduziremos em parte e que foi  integralmente publicado nos Anais do VI Congresso Internacional de Stress da ISMA-Brasil (International  Stress Management Association).

Voltando à pergunta: este conceito não seria concentração, e não meditação? Vamos às respostas, abaixo. 

Primeiro: nesta afirmação, mais uma vez, se confunde a técnica e o efeito. Confunde-se “técnica de  meditação” com “estado meditativo”. Aliás, sempre que alguém nos pergunta qual a maior das confusões  que existe em torno da meditação, respondemos prontamente: confundir os efeitos com a técnica. 

Segundo: a concentração utiliza um foco, enquanto a meditação utiliza uma “âncora”. Ao indicar, ao  aprendiz, um determinado foco, se pressupõe que ele deverá tentar manter toda a atenção possível sobre  esse foco. Indicar, ao aprendiz, uma “âncora”, significa sugerir um foco e, ao mesmo tempo, sugerir o 

chamado “relaxamento da lógica”, ou seja, orientar para que, sempre que o indivíduo se perceber em uma  seqüência de pensamentos, retorne sua atenção para a “âncora”. Na concentração, o objetivo é tão somente  manter o foco, e todo o esforço se concentra nisso. Na meditação, o foco, aí cognominado de “âncora”, é  uma forma de não se envolver na seqüência de pensamentos; é um ponto ao qual voltamos quando nos  flagramos envolvidos na corrente dos nossos pensamentos. 

Logo se vê que, um mesmo foco, pode servir como foco de concentração ou como uma “âncora” para  meditação. A diferença principal estaria no fato de que, na meditação, o praticante é orientado a observar  os pensamentos, flagrar seu eventual envolvimento e retornar à “âncora” sempre que isso ocorrer. Na  concentração pode se manter o foco e, ao mesmo tempo utilizar a lógica, por exemplo, focar a atenção em  um som e pensar sobre os eventuais benefícios desta prática; pode-se, até mesmo utilizar a lógica, durante a  concentração, para melhor se concentrar, pensando, por exemplo: “preciso me concentrar neste som;  preciso muito me concentrar neste som; é importante me concentrar neste som; concentrar-me neste som é  meu objetivo principal”. 

Na verdade, Dharana e Dhyana (concentração e meditação) não são apenas estágios de um mesmo  caminho, mas seriam também estágios subentrantes entre si. Devemos perceber que, à medida que nós  vamos “sutilizando” a “âncora”, vamos gradativamente passando de Dharana a Dhyana. É por isso que  digo que são subentrantes. Por exemplo, podemos começar com um exercício de concentração por algumas  semanas, simplesmente para treinar o foco. Depois iniciamos uma técnica de meditação com o foco em um  som, ou em uma mandala, ou seja, em exercícios que ainda estariam bem próximos à Dharana. Aos poucos,  vamos tornando esse foco cada vez mais sutil, até que temos o foco, simplesmente, nas sensações do exato  momento. O que acontece é que, para se utilizar um foco como esse último, tão sutil, sem viajar, sonhar ou  (principalmente) julgar (ruim; chato; bom; sublime; espiritual), antes teremos que ter o que chamamos de  “treinamento de âncora”, ou seja, temos que estar bem treinados em perceber a perda da âncora e  providenciar o nosso retorno ao foco. Acontece que muitos querem ir direto para âncoras muito sutis, e  temos visto, com frequência, que esses indivíduos acabam fazendo imaginação criativa, sonho, sutis transes  auto-hipnóticos, etc, e não o estado alterado de consciência que caracteriza a meditação. 

Quando praticada adequadamente, então, a técnica meditativa finalmente leva ao estado alterado de  consciência que caracteriza este método. É um estado de difícil descrição, pois, como estaria “além da  lógica”, fica bem difícil descrevê-lo usando a lógica das palavras. Por isso, não adianta falar ao aprendiz,  por exemplo, que meditar é “Encontrar a paz dentro de si mesmo”; ou “Entrar em harmonia com o Todo”;  ou “Estar na Paz do Eterno Agora”. Essas expressões refletem, apenas, a sensação daquele que já meditou, e  não ajudará o aprendiz. Este último poderá meditar, conhecer o mesmo estado, e descrevê-lo com palavras  inteiramente distintas; ou mais, o que é pior ainda, poderá ficar “procurando” essas sensações que lhe  foram descritas e, com isso, reforçar ainda mais seu exercício da lógica, e não conseguir o estado de  consciência verdadeiramente característico deste método. Por isso, não adianta falar sobre a meditação.  Precisa-se ensinar (muito bem) a técnica e deixar que o estado “aconteça” com cada um. 

Com o passar do tempo, e da prática continuada, pode-se obter o estado último da meditação, que  costumamos chamar de “auto-percepção não-sensorial, sem a participação da lógica”. À primeira vista, é  difícil entender como poderia existir uma auto-percepção não sensorial. Afinal, parece que tudo que  percebemos, fazemos através dos sentidos. Nós costumamos perceber algo quando o vemos, ou tocamos,  ou ouvimos, e assim por diante. No entanto, vamos imaginar que estamos andando na rua e, de repente,  nos percebemos pensando em algo (em um fato, e uma pessoa, etc). Neste momento, estamos exatamente  tendo uma experiência de auto-percepção não sensorial. Mas este é o tipo de auto-percepção que conhecem  os meditadores experientes? Provavelmente, não. Este exercício utiliza a lógica e a prática da meditação  leva, como já dissemos, ao “relaxamento da lógica”. O meditador percebe-se sem a participação dos  sentidos e, ainda mais, sem a participação da lógica. Não se trata de sentir-se, nem de perceber-se 

analiticamente. Trata-se de perceber-se, e apenas perceber-se; isso e tão somente isso. Por isso, falamos em  um “estado de auto-percepção não sensorial sem a participação da lógica”. Um estado de pura existência.  Porém, explicar isso com palavras, através da lógica, vai ficando cada vez mais difícil. 

Veja aqui, caro leitor, que descrever o resultado último da meditação é uma missão abstrata, sutilíssima,  idiossincrásica e, portanto, impossível!… A mente não seria capaz de descrever um estado além-mente.  Ademais, por ser idiossincrásico, a descrição pode corresponder à percepção (ou descrição) de uma pessoa,  que não necessariamente será igual à percepção (ou descrição) de outra. Como já dissemos, isso é até anti 

didático, pois leva o aprendiz a ficar “procurando”, ou “esperando”, pelo estado descrito, o que o leva a um  exercício de lógica e aborta o processo técnico da meditação. 

Por isso, em minha opinião, nunca se deve dizer que “meditar é não pensar em nada”. Isso é um clássico  erro didático, na história da meditação. É algo muito difícil de conceber, que confunde o aprendiz. Além do  mais, só ao tentarmos imaginar o “não pensar em nada”, começamos a pensar sofregamente em como isso  seria possível e em como poderíamos alcançá-lo. 

A mente não pára de produzir pensamentos. Não há ainda, nenhuma evidência disso. O que o meditador  obtém é o não-envolvimento com os pensamentos ou, como dizem outros, o envolvimento com o  “Pensamento Universal”. O completo envolvimento levaria, então, ao estado (quase impossível de  descrever) de “duas mentes”. Uma mente, física, strictu sensu, que produz pensamentos. Outra mente,  supra-física, latu sensu, que é pura existência. Esta, não mais se envolve com a atividade daquela, mas  aquela não deixa de existir, pelo fato desta estar percebendo. 

A chamada “transcendência” torna-se, então, possível, mas apenas quando vencida a participação da lógica,  do julgamento. E aí se incluem todos os tipos de julgamentos, de juízos de valor; até mesmos os  julgamentos positivos; até mesmos os julgamentos ditos ‘”espirituais”. Neste momento, “silenciar-se-ia” a  mente, e se experimentaria o que está além dela. 

Como explica minha amiga Racily, uma ótima professora de meditação: 

“…Nosso verdadeiro Ser se encontra além das limitações do corpo e da mente. Nossa consciência (desde que  se acredite que esta se desvincula da mente) pode transcender o corpo e a mente. Da mesma forma que ao  transcender o corpo este não pára suas funções de sobrevivência (não se morre para transcender o corpo) a  mente não pára suas funções básicas de registros da realidade (não se morre para transcender a mente) mesmo  que esses registros se encontrem no estado delta de profundo relaxamento e quase não-atividade mental. O  corpo e a mente realmente só param quando a pessoa morre. A verdadeira noção de transcendência  significa transcender e incluir, e não transcender e excluir. Nessa inclusão consciente proporcionada pela  meditação, o corpo e a mente continuam exercendo suas funções básicas, só que com uma diferença crucial:  o corpo e a mente funcionam melhor e você passa a ser realmente o mestre da sua mente, e  consequentemente do seu destino…” 

Estados além desses, talvez existam, mas pertenceriam àqueles indivíduos chamados “iluminados”, o que  não é o meu caso. Sou apenas um médico e, portanto, aqui esgoto minha capacidade de discutir este tema. 

by Roberto Cardoso

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