Falando – demais – sobre meditação

Sobre meditação, muito se fala, e pouco se faz. Hoje, escrevemos sobre a ineficácia do discurso excessivo, e sobre a importância da prática meditativa.

O famoso Prof. Herbert Benson, um dos ícones mundiais no estudo científico pioneiro da meditação, escreveu certa vez que, nos primeiros anos de suas pesquisas, ele evitava meditar, pois não gostaria que suas sensações “contaminassem” seu poder de observação. Como acadêmico, entendo a preocupação do Prof. Benson, embora meu caminho como meditador tenha sido bem diferente (comecei a meditar aos 17 anos e comecei a estudá-la academicamente aos 38). No caso do Prof. Benson, ele pensou em observar de forma imparcial os efeitos do método, e isso foi bom por um tempo, pois ele obteve resultados bem animadores em seus artigos, sem que se pudesse dizer que ele já estava propenso a isso por conta do próprio aprendizado meditativo. Por outro lado, se recorrermos à sua definição do método, nós vemos que ele acabou por incluir a meditação dentro do que chamou de “resposta de relaxamento” (Benson H, Beary JF, Carol MP. The Relaxation Response. Psychiatry 1974;37:37-46.). Essa definição se referia a um estado decorrente de uma série de procedimentos que conseguiam aquilo que era chamado de redução do alerta, com diminuição do tônus do sistema nervoso simpático. Isso correspondia a um relaxamento psicofísico, com queda da freqüência cardíaca, menor freqüência respiratória, redução do tônus muscular, aumento da temperatura de extremidades, dentre outros achados.

 

Veja, então, que essa classificação acabava por colocar a meditação lado-a-lado com outras intervenções, tais como técnicas de respiração e/ou de relaxamento. Porém, quando experimentamos essas diferentes intervenções por algum tempo, logo percebemos que elas são diferentes. Quando alguém medita, e também pratica uma técnica respiratória, e igualmente pratica relaxamento, prontamente nota que os efeitos são distintos entre um tipo de técnica e outro. Em meus workshops básicos de meditação, trabalho um exercício respiratório na primeira parte e um exercício meditativo na segunda, e os participantes já notam alguma diferença entre os dois exercícios. Quando se pratica a meditação por algumas semanas, então, essa diferença passa a ser algo muitíssimo claro, uma vez que já começam a se apresentar alguns efeitos cognitivo-comportamentais bem próprios deste método.

Mas alguém poderia perguntar por que o emérito professor agrupou todas essas técnicas juntas, e aí teríamos duas possibilidades. Primeira, ele preferiu estudar técnicas diversas que fossem capazes de reduzir o estado de alarme contínuo que os estressados apresentam, e não lhe importava tanto que tipo de técnica utilizasse para isso. Segundo, ele considerou meditação como sinônimo de relaxamento porque, simplesmente, ele não meditava.

Utilizo essa passagem referente ao admirável Prof. Benson para ilustrar o tema da nossa conversa de hoje: a diferença entre “falar sobre” e “praticar” meditação.

Quando falamos sobre meditação, costumamos apresentar sua definição, sua operacionalização, seus tipos de técnicas, seus efeitos psicofísicos, suas possibilidades terapêuticas e seus resultados mais frequentes. Naturalmente, essas informações são úteis, especialmente no meio acadêmico, uma vez que apresentam os subsídios necessários para que os cientistas alicercem suas pesquisas. Não há outra forma de apresentar academicamente esse método.

 

Todavia, para nossa prática pessoal de meditação, tais informações não são necessariamente úteis. Por que? Ora, porque a meditação é um procedimento que envolve o chamado “relaxamento da lógica” (veja o texto com este título, nesta coluna), e ficar se abarrotando de informações não vai nos ajudar a relaxar a lógica; ao contrário, pode nos rechear de pensamentos diversos que atrapalharão a prática meditativa.

Certa vez, eu assisti a uma palestra conjunta de Marcelo Danucalov e Roberto Simões, autores do livro “Neurofisiologia da Meditação” (Ed. Phorte), na qual eles apresentavam algumas das alterações propiciadas pelo método. Lembro-me que, em dado momento, um deles fez uma pausa e disse: “…estamos mostrado tudo isso mas, por favor, não é para meditar e ficar tentando imaginar as alterações que estariam ocorrendo em seu cérebro. Se fizer isso, você ‘enlouquece’ e não medita!…”. Concordo inteiramente.

 

Meditar consiste em utilizar uma técnica que nos ajude a relaxar a lógica, e essa técnica costuma ser uma espécie de truque para enganar a mente. Utiliza-se um artifício de focalização (que chamamos de “âncora”) e procura-se focar toda a atenção ali. Seria como colocar todo o pensamento em um único ponto; toda a nossa gigantesca carga de pensamentos em um pequeno foco, como quem tenta colocar todo o mundo sobre uma cabeça de alfinete. Esse esforço hercúleo acaba por produzir um efeito: o estado meditativo. É por isso que quase todos os trabalhos que mapeiam o cérebro de meditadores encontram ativação inicial do lobo pré-frontal. Inicialmente, tal achado parecia contraditório, uma vez que essa região do cérebro responde por ações de execução de tarefas, de planejamento, etc.; ou seja, é uma região de intensa lógica. Mas é exatamente o exercício de âncora que, em nossa opinião, explica a ativação do lobo pré-frontal, como já mostramos em um artigo do nosso grupo (Cardoso R, Souza E, Camano L, Leite JR. Prefrontal Cortex in Meditation. When the Concrete Leads to the Abstract. A schematical hypothesis, concerning the participation of the logic for “logic relaxation”. NeuroQuantology 2007;5:233-40.). O meditador se esforça para manter o foco; depara-se com seu envolvimento em novas correntes de pensamentos; percebe que perdeu o foco; abandona esses pensamentos e retorna ao foco; novamente perde o foco e envolve-se com outras sequências de pensamentos; volta novamente ao foco, e assim por diante, em ciclos repetitivos, cada vez mais espaçados. Com o tempo – e prática – os períodos nos quais permanecemos no foco são cada vez maiores, e as alterações psicofísicas decorrentes disso começam a acontecer. Arne Dietrich, um neurocientista estudioso da consciência humana, propôs a hipótese da “desregulação pré-frontal transitória” ao afirmar que, em todos os métodos que levam a estado modificado de consciência, existiria uma disfunção dessa área do cérebro (Dietrich A. Functional neuroanatomy of altered states of consciousness: The transient hypofrontality hypothesis. Conscious Cogn 2003;12:231-56.). Nos meditadores, pensamos que essa “desregulação pré-frontal” seria, em última instância, um resultado do forte esforço de manutenção da âncora.

Considerando as idéias acima apresentadas, podemos dizer que, para meditar, é preciso mais prática e menos palestras. Se existe algum aspecto realmente importante, quando se conversa sobre meditação, ele está em explicar a definição operacional deste método, realçar os conceitos de âncora e de relaxamento da lógica, ensinar uma técnica e apresentar as saídas para as dúvidas e dificuldades mais frequentes do aprendiz. Isso é exatamente o que temos feitos em nossos textos: possibilitar o entendimento técnico-operacional e dirimir as barreiras mais comuns dos meditadores principiantes. Na verdade, quando discursamos sobre meditação, e vamos além desses aspectos, a principal intenção é a de dissolver alguns estigmas que parecem “colados” ao método e também estimular os ouvintes a experienciar essa técnica.

Nada adianta se falar sobre os efeitos subjetivos da meditação. Isso me parece um erro histórico ao tentar se ensinar o método. O instrutor, (frequentemente bem intencionado), se entusiasma com as sensações que ele experimentou e começa a querer descrevê-las para o aprendiz. Aí, então, começam aquelas frases como “meditar é repousar no vazio”, ou “meditação é um mergulho no agora”, ou ainda “meditar é como voltar para casa”. Veja só o quanto de subjetivo existe nessas frases e o quão diferentes podem ser as interpretações da cada um que as escutar. O iniciante, então, ao meditar, comumente busca essas sensações que lhe foram descritas, o que lhe abarrota de ocupações lógicas, além de usualmente acabar caindo em outros tipos de estados modificados de consciência, tais como auto-hipnose ou imaginação criativa.

Existe aquele ditado que diz “é melhor ensinar um homem a pescar do que lhe dar um peixe”. Quando se fala sobre os ótimos efeitos da meditação, não estaríamos nem “dando o peixe” nem “ensinando a pescar”; estaríamos, isto sim, discursando horas a fio sobre as maravilhosas sensações de um pescaria bem sucedida. Não entendo como todos ainda não perceberam isso, e há anos tenho tentado mostrar essa falha didática de diversas formas. A maior contribuição que podemos dar à meditação é parar de discursar sobre seus efeitos, e começar a divulgar seus aspectos técnicos.

Apenas quando se medita – regularmente e por algum tempo – se entende de fato o que é meditação. Entende-se sua faceta imponderável. Meditação não é teoria; ela é pura prática. Apenas quando se ensinam as técnicas, e se aliviam as dificuldades técnicas, algo pode de fato acontecer. A partir daí o novo meditador irá trilhar seu próprio caminho, conhecer seu próprio silêncio e experienciar sua própria via de liberdade.

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