Exercícios de presença são úteis, importantes e, muitas vezes, transformadores, mas não devem ser confundidos com técnicas de meditação. Hoje, falaremos sobre este tema.
Tente se lembrar de alguma vez que você tropeçou na rua, ou que alguém lhe surrupiou alguma coisa, ou que deu uma “batidinha” com o carro, ou que esqueceu em casa algo que precisava levar com você. Conseguiu? Lembrou-se? Pois eu garanto que, em todas essas situações, havia algo em comum: você não estava presente…
Como assim?… Pergunta você. Afinal, você estava lá, naquele dia, naquela hora, e não só presenciou como também sofreu com o ocorrido. Bem, podemos ver essas cenas sob um prisma diferente. Sim, você estava lá, em carne em osso, mas não em alma, não em pensamento. Seu pensamento estava longe, pensando em algo porvir, em alguma preocupação, em alguma dúvida em relação ao futuro, mas não estava no presente. Podia estar lembrando-se de algum fato do passado, com raiva, ou mágoa, ou frustração, mas não estava no presente.
Depois de algum tempo meditando, a maioria dos meditadores acabam percebendo que o presente é o mais importante momento de nossas vidas, e alguns dizem que talvez por isso ele leve esse nome. Ele é um “presente”, que ganhamos todos os dias, todas as horas; contudo, raramente o vivemos.
Nossa mente quase sempre está vivendo no passado, com uma lembrança, uma mágoa, ou um comportamento cristalizado. Mas o passado é apenas um registro na memória. Ele não existe mais. Além disso, estudos científicos têm demonstrado que nossa memória nem sempre é tão fiel à verdade quanto pensamos; ou seja, nossa lembrança de um fato, por exemplo, vai mudando pouco a pouco com o tempo, sem que percebamos, e podemos hoje relatar um fato de dez anos atrás sem contar em verdade o que aconteceu.
O futuro é aquilo que imaginamos que vai acontecer, quase sempre baseados em preocupações, medos e conceitos rígidos vindos do passado. Acontece que o futuro não tem nenhum compromisso conosco. Na verdade, nada nem ninguém tem compromisso com nosso futuro. Nada nem ninguém pode lhe garantir que seu futuro irá acontecer, e muito menos que ele irá acontecer da forma como você imaginou. As pessoas, as coisas, o planeta, o Universo, ninguém mesmo tem qualquer compromisso com seu futuro, pois o futuro que imaginamos é um quadro morto, que existe em nossa mente, enquanto a vida é movimento e transformação, e isso move e transforma o futuro a cada momento, a depender do conjunto de pensamentos e atitudes do nosso momento de agora.
Como disse Eckhart Tolle: “O passado é apenas memória; o futuro é apenas imaginação”. Por isso, toda a vida está no presente. Podemos aprender com algumas vivências do passado, mas sem ficarmos acorrentados a elas. Podemos planejar algumas etapas do futuro, mas sem achar que isso acontecerá daquela exata forma, naquele exato momento. Como disse Marco Aurélio, na verdade não importa se você morre jovem ou velho, pois ninguém poderá lhe tirar o futuro, mas apenas o presente. Osho dizia que “a vida não tem nenhum sentido, nenhum objetivo; a jornada é o próprio objetivo”. Outro antigo Mestre disse que “Nada foi. Nada será. Tudo é”. Por isso tudo, estar no presente é estar plenamente na vida.
Uma das formas de conseguirmos, pouco a pouco, uma maior presença no agora, são os chamados “exercícios de presença”, e existem vários tipos deles. Sentir os pés tocando o solo sempre que se lembrar. Olhar o céu e ver como ele está sempre que puder. Respirar movimentando o abdome toda vez que se recordar de fazer isso. Sentir integralmente a tarefa que estiver fazendo no momento; seja caminhando no campo, seja lavando louça, seja cumprimentando alguém, deve-se procurar fazer isso com plena presença, com total consciência, sentindo tudo que acontece absolutamente agora, sejam os sons, sejam as cores, seja a textura, sejam as emoções, mas sempre no presente. Não adianta se lembrar das sensações de 5 minutos atrás, mas apenas as do absoluto momento de agora. As sensações e vivências vão passando, segundo a segundo, e vão sendo deixadas para trás, enquanto se permanece absolutamente no agora.
Quando se pratica a meditação, também se busca estar no agora. Ao buscarmos manter a ancora, e relaxar a lógica, acabamos tendo um foco no presente enquanto observamos – e deixamos ir – as correntes de pensamentos que vão sendo produzidas sem nos deixarmos envolver por elas.
Se você medita e leu, ou lerá, o ótimo livro de Eckhart Tolle, intitulado “O Poder do Agora”, notará que várias das sensações às quais ele se refere são frequentemente percebidas na meditação e, além disso, vão sendo pouco a pouco trazidas para o ambiente do dia a dia.
Todavia, eu tenho percebido, no decorrer desses anos como instrutor, que existe muita confusão entre exercícios de presença e meditação. Os exercícios buscam nos trazer mais para o presente e podem ter efeitos a médio e longo prazo. A meditação busca o relaxamento da lógica, através do exercício de âncora e de não envolvimento nas correntes de pensamentos. É claro que o relaxamento da lógica e a âncora acabam nos trazendo mais para o presente, mas existem outros efeitos, e além disso, essa “presença” é obtida através de uma técnica que “anula” a ação controladora da mente. Nos exercícios de presença, “estamos fora, e buscamos prestar atenção ao que está dentro, aqui, agora”. Na meditação, nós “vamos para dentro, e buscamos ali permanecer, na quietude, que também está no agora”. Vejam que, em última instância, ambos podem acabar chegando ao mesmo lugar, porém de maneira diferente.
Há uma inadequação, contudo, quando se diz que “è possível meditar ao lavar um prato”. Primeiro, porque geralmente o indivíduo “pensa” sobre isso ao praticar, e o pensar conceitual pode sabotar a técnica, se acharmos que isso é “lindo”, é “meditativo”, vai nos “levar aos mais altos picos da beatitude”, e por aí afora, conceituando, qualificando e criando expectativas. Segundo, porque vejo muito meditadores abandonarem a técnica diária porque alguém chega e lhe diz que ele pode meditar todos os momentos do dia, mesmo ao lavar um prato.
Toda meditação é, entre outras coisas, um exercício de presença, porém nem todo exercício de presença é meditação. Não são procedimentos concorrentes, mas não devem ser confundidos entre si, sob pena de vermos inúmeros indivíduos deixando de meditar, acreditando que os exercícios de presença serão fortes o suficiente para libertá-los das prisões da mente… e isso só é possível em um número pequeno de indivíduos.
Você já meditou hoje? Você está aqui, agora?