Frequentemente me procuram, após minhas palestras, para aquele papo informal que habitualmente segue as apresentações maiores. Nessas ocasiões, entre outros assuntos, os praticantes de meditação costumam perguntar minha opinião sobre as técnicas que estão praticando no momento. Porém, curiosamente, quando lhes pergunto qual é a “âncora” (o artifício de auto-focalização) utilizada na sua técnica, cerca de 2/3 não sabe responder precisamente.
Confesso que isso muito me assusta. Afinal, como disse meu texto do mês passado, de longe, os aspectos operacionais mais importantes são a “âncora” e o “relaxamento da lógica”. Ao aprender uma técnica, o meditador precisa ser apresentado à âncora específica daquela técnica, pois será aí que ele irá procurar focar toda sua atenção, para poder “relaxar a lógica”, ou seja, não se envolver nas sequências de pensamentos que forem surgindo. Tais aspectos estão bem valorizados em nosso artigo, que pode ser acessado através do link: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?cmd=Retrieve&db=PubMed&list_uids=15519952&dopt=Abstract
Quando o NCCAM (National Center for Complementar and Alternative Medicine) apresentou sues preceitos conceituais sobre meditação, à comunidade de saúde dos EUA, apontava claramente, dentre os aspectos operacionais, para o que chamava de “foco de atenção” (focus of attention), o que nada mais é do que aquilo que apelidamos de âncora. Tal artigo pode ser encontrado através do link: http://nccam.nih.gov/health/meditation/ A âncora, este aspecto basilar em qualquer técnica meditativa, pode ser representada por vários tipos de recursos. Existem âncoras muito simples, muito “palpáveis”, tais como um ponto fixo na parede, ou um som específico pronunciado repetidamente, ou a atenção no próprio movimento do abdome, durante a respiração, o foco na passagem de ar pelas narinas durante a respiração ou, ainda, contagens diversas durante inspiração e/ou expiração. Outras âncoras, são mais dinâmicas, como ocorre nas “técnicas ativas” (sobre as quais escreveremos futuramente). Nestas, o foco pode ser o contato dos pés com o solo durante o caminhar, ou a atenção sobre os pés e o baixo ventre enquanto se gira o corpo. Existem, ainda, âncoras muito sutis, que costumamos chamar de “âncoras negativas”. Aqui, empregamos o termo “negativo”, não no sentido pejorativo, mas sim, representando a inversão da idéia original, como ocorre no negativo de um filme fotográfico. Estas âncoras, sutis, são utilizadas nas chamadas “técnicas perceptivas” (sobre as quais também escreveremos futuramente). Assim, podemos ter, como âncora, a atenção (sem julgamento) em todos os ruídos e sensações do momento, ou apenas o “foco no agora”, ou o chamado “foco no vácuo” ou, ainda, o simples testemunhar (os próprios pensamentos).
Quando o yogue focar sua atenção na própria respiração, ele estará utilizando uma âncora. Quando um meditador focar sua atenção sobre a pronúncia repetida de um som, ele estará utilizando uma âncora. Quando um monge vietnamita focar sua atenção no contato dos pés com o solo, ele também estará utilizando uma âncora. Toda técnica de meditação tem uma âncora. Ela pode mais ou menos evidente, mais ou menos sutil, bem ou mal ensinada, mas sempre haverá uma âncora. Como veremos no próximo mês, não há como relaxar a lógica sem utilizar um artifício técnico. Como dizia o hindu Ramana Maharshi, não há como “pedir ajuda ao ladrão para tentar apanhar o próprio ladrão” (MAHARSHI R. Ensinamentos Espirituais. São Paulo, Cultrix, 1991). De fato, não há como utilizar os próprios pensamentos para “reduzir” os próprios pensamentos, e por isso necessitamos de um recurso operacional, que nada mais é do que a âncora. No entanto, um aspecto didático deve ser bem entendido: quanto mais simples uma âncora, mais fácil será ensiná-la ao aprendiz, e mais facilmente ele conseguirá praticá-la; quanto mais sutil uma âncora, (provavelmente) mais sutil será o estado ao qual ela levará, contudo mais difícil é seu aprendizado e sua prática inicial. Assim, a escolha da âncora (da técnica) é uma decisão crucial do instrutor, pois uma opção inadequada poderá motivar uma maior chance de desistência do principiante (que pode chegar até 70%) ou, ainda um falso “estado meditativo”. Temos presenciado (muitos) casos nos quais meditadores inexperientes recebem técnicas muito sutis, tentam praticá-las e se auto-induzem a evidentes estados hipnóticos, e pensam que estão meditando, ou pior ainda, assim permanecem por meses ou anos. Caso deseje ainda mais informações sobre este tema, vários tipos de âncora são descritos em meu livro “Medicina e Meditação” (MG editores), que pode ser visto pelo link: http://www.gruposummus.com.br/detalhes_livro.php?produto_id=939
Se você medita, ou se meditou algum dia, responda: você sabe explicar precisamente qual é (ou era) a âncora utilizada em sua técnica? Isso lhe foi bem ensinado ou você deduziu por si mesmo? Se você já freqüentou vários lugares onde se ensina meditação, responda: o ensino da âncora foi sempre valorizado e foi feito de forma clara e didática, ou se falava sobre os efeitos, as emoções, os possíveis fenômenos, mais do que sobre a técnica em si?
Se você nunca meditou, faça essas perguntas a alguém que conheça e que já tenha meditado, ou tentado meditar. As respostas falarão por si mesmas. No próximo mês, conversaremos sobre outro aspecto que, em conjunto com a âncora, representa o dueto básico das técnicas meditativas: o chamado “relaxamento da lógica”.