Em nossos workshops, após a prática de alguma técnica de meditação, costumo ser “crivado” de perguntas, com várias dúvidas sobre dificuldades e curiosidades práticas que podem surgir quando se medita. Com o tempo, tenho percebido que quase sempre, se repetem as mesmas perguntas, especialmente quando se trata dos meditadores iniciantes. Neste texto, procuro responder a três delas.
“… Perdi a âncora por muitas vezes… … vou conseguir?…”
Muitos afirmam: “foi muito difícil manter a âncora; por diversas vezes, me flagrei envolvido por alguma sequência de pensamentos, voltei para âncora mas logo depois fui levado por uma outra corrente de pensamentos”. Quando isso acontece, a pessoa acha que nunca conseguirá meditar. No entanto, ela esquece que “…ficar na âncora; envolver-se com pensamentos; perder a âncora; voltar para a âncora; envolver-se em outra sequência de pensamentos; perder novamente a âncora; voltar novamente para a âncora…” chama-se: meditar. Isto, e exatamente isto, compõe a sequência técnica da meditação. Quem enfrenta essa dificuldade não deve ter dúvida de que algum dia conseguirá meditar, pois ele já está meditando! E os efeitos benéficos da meditação já estarão a caminho.
O que ocorre é que, com o progresso da sua prática, cada vez menos ele se envolverá com as sequências de pensamentos, que também irão se tornar escassas, mas isso é apenas uma questão de treino e um pouco de paciência. Quando você, por exemplo, em uma academia, tem dificuldade com os exercícios nas primeiras aulas, isso não quer dizer que você ainda não está fazendo ginástica, e nem que jamais irá conseguir se exercitar. Significa, apenas, que você é um principiante naquele tipo de exercício, e que ainda precisará de tempo para conseguir realizá-lo de forma completa, mas os efeitos benéficos do exercício, é claro, já começam a se instalar.
“… Será que eu dormi ou será que meditei?…”
Outras praticantes ficam em dúvida, quando meditam, sem saber se assistiram à passagem de correntes de pensamentos, ou se pegaram no sono e aquelas passagens foram, na verdade, sonhos.
Para isso, a resposta está em uma pergunta? Eu perdi a âncora? Caso negativo, o que se viu foram sequências de pensamentos. Por outro lado, caso se tenha perdido a âncora, é possível que se tenha dormido, e sonhado.
Vejam que “manter a âncora” é resposta para muitas perguntas: “como fazer para não dormir?” “o que fazer para não me distrair?” “como evitar manifestações e/ou transes de contexto espiritual?”, “como agir quando surgirem visões de natureza diversa?”, e assim por diante.
Durante a meditação, tudo que a mente (a lógica) produz é supérfluo, e não contribui para o relaxamento da lógica. Tudo deve ser largado, enquanto se retorna a focar na âncora.
Imagine que temos que atravessar um quarto, entrando-se por uma porta, de um lado, e saindo-se por outra porta, no lado oposto. Imagine, também, que existe uma corda, que liga as duas portas, na qual se pode segurar e se ter certeza de que se está caminhado, realmente, no sentido da outra porta, de saída. Agora, imagine que neste quarto, acontece como no filme Matrix, quando o personagem não sabia mais o que era real e o que era irreal. “Será que estou tendo visões reais?”, “Será que estou sonhando?”, “Será que estou indo, realmente, na direção da porta de saída?”. Estas são perguntas que podem surgir durante esse tipo de vivência. Contudo, neste exemplo, temos a corda, na qual podemos segurar e sabermos, com segurança, qual a direção a manter.
Tudo, na sala, pode ser falso. Nenhuma experiência será, com certeza, uma verdade. Mas a corda, ao contrário, é absolutamente real, e o trajeto ao qual ela conduz é o único trajeto confiável. Outras experiências podem parecer mais interessantes; outros trajetos podem surgir como mais sedutores; mas a corda é, em última instância, a única verdade, e a única segurança. Durante a meditação, a âncora funciona como nossa corda, nossa segurança, nosso porto seguro.
Quando não se perdeu a âncora, em nenhum momento, durante a técnica, pode-se ter a certeza de que não se dormiu. Mesmo que a cabeça tenha, por um momento, basculado para baixo (a famosa “pescada”), se estávamos, nesse momento, focados na âncora, tratou-se mais de um aprofundamento do estado de relaxamento do que de adormecer.
“… Devo suportar a dor?…”
Quando começamos a meditar, quase sempre, os primeiros incômodos a surgir são motivados por sensações físicas. A perna incomoda, o nariz coça, o braço não encontra posição, e assim por diante.
Todos esses pequenos incômodos podem ser evitados, ou minimizados, com adequados preparativos antes de meditar, escolhendo um bom ambiente, a melhor posição, a almofada mais propícia, etc. Uma vez tomados esses cuidados, não devemos mais ligar para eventuais sensações de desconforto. Elas costumam ser passageiras.
A famosa “coceirinha no nariz” costuma ser a mais comentada entre os que principiam no método. O que acontece é que o corpo relaxa, inicia-se uma dilatação dos vasos periféricos e algumas regiões do rosto “formigam” ou coçam. Caso se prossiga na técnica, a vasodilatação se expande, toda a sensação no rosto muda, e o incômodo quase sempre passa. Porém se coçarmos o rosto, interrompemos o relaxamento que está em curso, a vasodilatação se interrompe, o formigamento passa, voltamos a meditar, relaxamos novamente, a vasodilatação novamente se instala, volta a formigar, voltamos a coçar o rosto, e assim por diante, em um círculo vicioso.
Todavia, até agora, não estamos falando de dor, propriamente dita. Em certas pessoas, em certas ocasiões, podemos ter um quadro doloroso de fato. Por exemplo, alguém com problemas circulatórios poderá sentir fortes dores na perna durante a meditação e precisará parar para buscar uma posição, ou uma cadeira acolchoada, que lhe traga um pouco mais de conforto. Isso já é bem diferente de um simples incômodo, ou uma simples coceirinha. Cabe a nós, diferenciar essas situações, dentro do bom senso. Uma coisa é certa: a dor (dor, mesmo) não ajuda a meditar. A dor, ao contrário, é um excelente indutor da lógica. Relaxar a lógica, por exemplo, sentido fortes dores na perna, é tarefa bem difícil para um meditador experiente, e impossível, para um principiante. A velha fábula do faquir, meditando sobre uma esteira de pregos, não deve inspirar o aprendiz de meditação.
Exceções, são aqueles casos de dor crônica, quando se indica a meditação para facilitar a convivência com o quadro doloroso, como no exemplo da fibromialgia ou de alguns tumores. Nessas situações, a dor já existia, e fazia parte do dia-a-dia do meditador desde antes. Na dor crônica, já são muitos os trabalhos mostrando bons efeitos da meditação.
No próximo mês, falaremos sobre “estranhas sensações”, que podem surgir quando começamos a meditar.