Meditação e confiança

A prática da meditação exige confiança. Primeiramente, é preciso confiar no instrutor. Em segundo lugar, é necessário confiar no método. Em terceiro, deve-se confiar na âncora. Depois, terá que se confiar no processo. Por fim, os meditadores mais adiantados precisarão confiar em “algo maior”. Sobre isso, conversaremos hoje.
 
Frequentemente, a prática meditativa é apresentada como obrigatoriamente associada a correntes místico-filosóficas, ou a uma religião, ou ainda a um grupo de praticantes que nega – porém pratica – o sectarismo (não me oponho ao caráter religioso, ou filosófico, da meditação; quero insurgir-me apenas, contra o tom de obrigatoriedade).

É muito curioso, todavia, que ninguém – ou quase ninguém – fale sobre o aspecto da confiança. Em minha opinião, poucos métodos necessitam tanto disso quanto a meditação.

No primeiro momento em que vamos aprender a meditar, precisaremos confiar em quem vai nos ensinar; acreditar no instrutor. Ao se buscar uma técnica meditativa, precisamos depositar certa fé em quem nos orienta; crendo que se trata de um profissional bem instruído, bem intencionado e didático o suficiente para nos passar os quesitos técnicos sem desvios didáticos e sem “contagiá-los” com valores religiosos ou filosóficos de cunho pessoal. Afinal, o primeiro quesito para se operacionalizar a meditação é dispor de uma técnica bem estabelecida e bem ensinada (veja texto sobre “O que é meditação”).

Depois, teremos que confiar no método. Acreditaremos, então, que a meditação é um procedimento milenar, capaz de promover o relaxamento psico-físico, coroada por saudáveis efeitos fisiológicos e emocionais. Esse crédito nos permitirá a relaxada entrega ao procedimento.

Mais tarde, quando já praticantes, precisaremos confiar na âncora (veja texto sobre “Âncora”), pois ela será o nosso porto seguro. Durante uma técnica meditativa, quando estamos procurando manter a âncora para não sermos levados pela mente tal como papel na ventania, enfrentaremos muitos fatores de distração, inúmeros pensamentos que irão passar em sucessão vertiginosa por nossa cabeça. Em estágios mais adiantados da prática, alguns deles poderão até nos deixar em dúvida. Serão mesmo imaginários? Onde estou? Será que atingi algum tipo de “estágio superior”? Será que caí em alguma “gruta de escuridão”? É impressionante como a mente produz não apenas pensamentos; mais ainda, ela produz sensações que parecem muito reais. São experiências que beiram aquelas que vimos no filme Matrix (veja texto sobre “Algumas perguntas do meditador iniciante”). Neste momento, quem nos restará? A âncora. Ela será a nossa segurança. Tudo parecerá verdadeiro, mas apenas a âncora será seguramente verdadeira; as outras coisas, quase sempre serão criações da nossa mente.

 
 

Passadas essas etapas anteriores, ainda mais adiante, existirá um momento em que tudo parece se estancar. Por certo período, não há mais sensações inebriantes, não há mais descobertas psíquicas, não há mais “baratos” indescritíveis. Até mesmo nosso progresso, em direção à paz interior e em direção à percepção de si e dos outros, parecerá estagnado. Ficamos desanimados; perguntamos-nos o que teria acontecido; pensamos até em desistir. Aí, vem o quarto tipo de confiança: no método. A meditação funciona, mesmo silenciosamente. Quando tudo parece cessar, ainda assim algo estará acontecendo fora da consciência. Seria como mexer uma enorme panela de feijão, com uma longa colher. Mexemos no fundo; a base do líquido se movimenta, mas a superfície não aparenta o que acontece profundamente; a “face exterior” do feijão não se mexe. Por isso, é preciso confiar no método, e continuar praticando regularmente. Meditação é assim, mesmo. Promove o crescimento por pulsos (veja texto sobre “Por que as pessoas deixam de meditar”).

Aí, então, vem a derradeira confiança. Quando as coisas parecem caminhar para o “nada”; quando a individualidade parece se diluir; quando todo o controle parece se dissolver sob nossos pés; quando o rumo é o desconhecido, o nada, o vazio. Nesse momento, chega o medo. Às vezes, muito medo. E o pior: nem sempre sabemos a razão desse medo; ou sua origem. Nessa ocasião, a única saída é confiar. Se você é cristão, confie em Cristo. Se você é muçulmano, confie em Alá. Se você é budista, confie nas palavras de Buda. Seja qual for sua fé, confie. Escolha “Algo Maior”, e deposite nele toda sua confiança. Seja o Todo, seja o Universo, seja o Infinito; não importa; apenas escolha e confie. Mais ainda, você nem precisa falar a si mesmo em que, ou em quem estará confiando. Basta dizer para si, com total convicção e entrega: “eu confio!”. “Nem sei exatamente em que, mas confio e me entrego”. Também funcionará. Atire-se ao “nada” como a criança que se atira no ar, apoiada na crença que os braços dos pais irão lhe segurar. Isso funcionará! A confiança trará o conforto, dissipará o medo, e permitirá a vivência do vazio, do silêncio “mortal”. Porém, essa morte não é a morte do corpo; nem da alegria; nem da segurança; nem das nossas qualidades. Será, apenas, a morte de parte da ilusão que temos em relação ao controle dos pensamentos sobre nós. É o intenso relaxamento da lógica. É o último objetivo ainda explicável da meditação: experienciar a auto-percepção não sensorial, sem a participação da lógica (veja texto sobre “O estado meditativo e a alteração da consciência”).

Meditação e confiança são eventos aliados. A confiança faz parte do caminho meditativo. Basta meditar, confiar, meditar, confiar… …e conhecer o silêncio profundo.

Confie!

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